quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um pouco do que se passa...

...Com os familiares de usuários de drogas. - Primeira parte

Não sei onde vou parar com esse texto, mas, sei bem - muito bem! -, onde quero chegar.

Primeiramente, não quero que me engulam, não quero que me aceitem, muito menos que concordem. Quero apenas voz, para expor o outro lado da história. O outro lado da bomba, que cada vez mais, parece que vai explodir a qualquer instante.

Sou estudante de Serviço Social (no momento, tranquei o curso, porque sou mamãe!), e esposa de um apenado, que cumpre pena por tráfico de drogas no PCPA - Presídio Central de Porto Alegre, desde Dezembro de 2010. "Tráfico de drogas", que horror, crime hediondo, corrompe a sociedade. Pois é, triste realidade de muitas famílias. Mais triste ainda, ver meu esposo sendo preso, sem ter ganho um centavo sequer, deste crime que ele supostamente estava comentendo contra a sociedade, e não estou reclamando, pois nem almejo esse tipo de renda. O tal crime que ele cometera, na verdade, foi contra ele mesmo. Sim. Era contra ele o pior crime. Gerente de uma grande empresa, conhecido por todos na cidade onde morávamos, patrimônio razoável (casa na praia, casa na cidade, dois carros, moto, lancha e um dinheirinho no banco), residência fixa, família de boa índole, todos trabalhadores, inclusive nós dois.

Perdi um filho há dois anos atrás e, fui informada que ele sofrerá uma má formação genética em decorrência do uso abusivo de drogas, de minha parte ou do pai. Não me restara dúvidas. Eu, nunca sequer, fumei cigarro. Nem cerveja encosto na boca. Resposta simples, o pai. Então, em meio a todo o sofrimento de ter que enterrar um filho, descobri que meu esposo era usuário de drogas. Até então, cocaína; Segundo ele, há muitos anos. E logo após o turbilhão de notícias ruins (falecimento de nosso filho e, dois meses depois, falecimento de meu sogro), ele se atirou nas drogas, literalmente. Porém, passou a fazer uso do crack e com isso, fui vendo a minha família, ou o que eu pensava que seria uma família, se destruir aos poucos.



No início, uns jovens ofereciam as drogas no meu portão, comecei a me irritar, ficava braba, batia boca e fui cansando. Logo mais, já tinha alguns "amigos" que iam fumar com ele na garagem da minha residência. É horrível, sinceramente, alguém tinha que filmar aquelas cenas. Chegavam a passar a noite toda fumando aquela coisa nojenta que quando queimada, fedia a cola e cigarro e, tudo  que há de ruim. A fumaça, densa, fazia com que eu não conseguisse mais definir quem era quem, pelas frestas da janela. Nunca me meti na história, nunca cheguei perto daquelas drogas, nunca entreguei dinheiro e peguei uma "peteca" e, nos momentos de lucidez dele, sempre me alertou, pedindo que eu não entrasse na mesma barca furada que ele.

Depois de um tempo, a gente aceita. Na verdade, não é que aceita, a gente se conforma. Tenta internar e, certos momentos ele quer, em dois segundos, sai sem rumo e volta dois dias depois, sem remorso, sem banho, sem escovar os dentes, pentear os cabelos; Enfim, chega em casa procurando uma cama, um prato de comida, qualquer coisa serve. Várias vezes, não sei de onde tirei forças mas, aos prantos, tirei as roupas dele, coloquei no chuveiro ou, simplesmente, tranquei a porta do quarto com ele dentro e fui trabalhar. Já cheguei a deixá-lo dormindo uma semana trancado em casa. Cada vez que acordava e pedia água, prontamente, a esposa solícita levava um suquinho com calmantes dentro. Me sentia num filme, numa novela, só que o roteirista, estava sendo cruel comigo.

No meio disso, tive aqueles ataques de fúria, ir pra casa dos familiares, quebrar objetos, vidros de carros, faltar ao trabalho para buscá-lo na boca de fumo. Uma noite, comprei uma arma. Não me pergunte como, mas eu comprei. Trabalhava num shopping e saí do trabalho as 22hrs, antes de pegar o ônibus que fazia a 'viagem pro inferno', corri até uma vila próxima (em Porto Alegre mesmo) e, perguntei pro primeiro menino que eu vi, se alguém tinha "um cano" pra me vender.

Fiquei orgulhosa de mim mesma. Idiotamente orgulhosa, porque sempre achei aquilo um horror, nunca compactuei com o crime. Mas, naquele momento específico eu me senti grande. Não tive medo de colocar o revólver na bolsa, não tive medo de ver se estava carregado, não tive medo de chegar em casa e atirar se alguém se atravessasse em meu caminho. Estava focada a dar um basta naquela situação. "Chega de gente no meu portão, chega de dinheiro no lixo, chega de humilhação. Já que eu não tenho coragem de pedir ajuda para alguém, minha família ou sei lá pra quem, vou resolver sozinha." - pensava eu, o caminho todo, dentro do ônibus.

Logo que cheguei, já pude estrear o meu brinquedo. Minha casa estava tomada de usuários, com seus cachimbos, suas latas, seus isqueiros e todos os apetrechos que usam pra queimar as pedras preciosas. Não tinha um copo limpo para que eu pudesse tomar uma água com açúcar e me acalmar. Como na linguagem dos presos, "cheguei as ganha" e botei todos pra correr. Naquele dia, eu vi que a situação fugiu de controle, se é que algum dia eu tive controle de alguma coisa. Meu esposo nem se mexeu, foi indiferente, parecia estar num coma consciente/inconsciente, não sei bem explicar.

Muito triste isso, fui pro chuveiro e deixei todas aquelas "lágrimas" de água escorrerem em mim, lavando minha alma e pedindo forças sei lá de onde. Não tinha nojo de mim, pois nem relações sexuais mantínhamos e, quando ele estava sóbrio (raros momentos), a única vontade que eu tinha era de abraçar ele e lembrar como era bom ter meu esposo, amigo, companheiro de volta.

Na manhã seguinte, levantei para trabalhar e, cadê meu "brinquedinho"? Pensei que ele havia escondido, mas não; ele havia "fumado", cheirado, trocado por pedrinhas. Me indignei, queria de volta. Minha vontade, era de matar qualquer pessoa que estivesse envolvida nesse comércio porco, desde o garoto que faz o "corre", até o figurão que recebe propina, advinda do comércio e produção de drogas. Foi naquele dia, dentro do ônibus, indo para o trabalho, que pensei em abandoná-lo pela primeira vez.

Continua...

3 comentários:

Sil disse...

O Estado ausente nas causas e danos mas punidor.
...

Karla disse...

Sei o que vc passou!Tive na vida dois namorados usuários de drogas.Um,hj em dia conseguiu se recuperar.O outro,uma pessoa que é muito importante pra mim,chegou á níveis absurdos,virou morador de rua,chegou no mais fundo do poço possível.Está em processo de recuperação há quase 3 anos,mas com diversar sequelas,imperceptíveis para quem não o conhece,mas pra quem conviveu comm ele,sabe que ele se tornou uma pessoa perturbada pelas drogas,depressiva e quase suicída.É muito triste,muito!Tanto ele,quanto o outro,tinham bens,carros,motos e tudo,simplesmente tudo foi por água a baixo.Só quem vive uma experiência assim pode dizer o quanto isso marca nossa vida!

Hélio disse...

você é uma mulher inteligente. Tenho orgulho de você, do seu esforço, de toda sua honestidade com as palavras, que por tudo, é o que todas as famílias do atual momento, gostariam de ouvir. Admiro demais sua vida.