quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um pouco do que se passa... parte 2

Continuação do post de ontem, em que relato partes da minha vida. Uma outra visão, até que ponto chega o desespero - do usuário de drogas e de seus familiares.
...

E, abandonei. Cheguei em casa, depois de um dia exaustivo - eu era gerente de uma loja -, e, liguei para meu irmão mais velho. Arrumei minhas coisas e fui embora. Fui embora chorando e explicando pra ele, que aquele era mais um dia que eu passava angustiada, sem saber se ele estava bem, se eu chegaria em casa e o encontraria, se ele não estaria com outras companhias, se ele não estaria dormindo dentro do nosso carro, jogado em qualquer rua, se ele não teria morrido de overdose. Chorei e ele chorava também, dizia que eu o estava abandonando; Jogou baixo, jogou sujo, relembrou a morte do nosso filho, e disse que queria ter um bebê comigo, o tão sonhado. Desta vez, queria uma menina e, que o nome dela seria o nome da minha mãe - já falecida, em homenagem à ela.

Eu nem se quer olhei para trás. Eu o amava tanto, que não conseguia mais suportar aquela situação. Ele estava morrendo aos poucos, em alguns meses, havia emagrecido cerca de 15kgs. Perdeu o viço, perdeu a alegria, a vontade de viver. Quando olhava para ele, me sentia num filme de 'apocalipse zumbi'; vivendo ao lado de um ser, que não comia, não bebia, não dormia. Vida vazia, viver por viver, porque se está vivo. Parecia que a vontade dele era "ser jogado numa vala" qualquer e, ser esquecido, ou ser alvejado de tiros. Aquele homem, quarentão, de olhos azuis, charmoso e galanteador que eu conhecera, não existia mais. Era apenas lembrança.

E, tentei mesmo, com todas as forças, livrar-me da lembrança dele. Alguém aqui já amou? Alguém aqui sabe o que é amor, no mais puro sentido da palavra? Ao contrário do que muitos pensam, não procurava nele um pai; até porque, não fazemos sexo com nosso pai, não é mesmo?! Longe dele, queria saber o que se passava e, mesmo com todas as mágoas, não esqueci uma data sequer. Dia dos namorados, aniversário, nada ficou para trás, sempre enviei uma lembrança, uma mensagem, um beijo. Todas as semanas levava flores no túmulo do nosso filhinho, que havíamos perdido em abril do mesmo ano, e pedia que ele ajudasse a recuperar o pai. Acho que pedi coisa demais pra uma criança, né?!

Nada adiantou, nem Jesus, nem Oxalá, nem Krishna, nem Jeová, atenderam minhas preces, meus pedidos. Dia 23/12/2010, estava trabalhando na loja, correria normal de final de ano, muito trabalho. Meu celular tocou e, quando vi o número, tive um mau pressentimento. Era o filho mais velho dele, ligando pra dizer que "o pai caiu e, parece que não tem jeito". Naquele momento, lembrei do que eu tinha dito para o meu esposo quando começamos a namorar: "Não importa o que aconteça, serei tua amiga acima de tudo.", e, prontamente pedi permissão para sair do trabalho.

Peguei um ônibus e fui para Gravataí, onde ele foi preso, 1ª DP - Bairro Parque dos Anjos. No caminho, liguei para uma advogada conhecida, ao menos para ela me dar um norte, assinar o flagrante e coisas do gênero. Ela é conhecida por ser "advogada de porta de cadeia", se é que me entendem. Pau pra toda obra, a qualquer hora, mora perto da DP. Chegando lá, descobri que ele estava preso desde as 13hrs e ninguém tinha ido lá, nem chamaram um advogado, nem nada. A advogada, conseguiu que eu falasse com ele, pra resolver as coisas, saber o que aconteceu, etc.

Quando eu vi o estado e o local em que ele estava, quase desmaiei. Ele estava sujo, suado, sem cadarço nos tênis e com as calças caindo (tirar o cinto e os cadarços, são procedimentos padrões), estava com fome e sede; ele "se bateu" dentro da viatura e estava com cortes na boca e na sobrancelha (reclamei para uma pessoa da DP, dos machucados dele e, a resposta que obtive foi "que se a senhora reclamar, piora pra ele no camburão da Susepe". A-b-s-u-r-d-o!). O local é imundo, tem uns pedaços de jornal e papelão, vários homens dividindo aquele micro-espaço e, num cantinho, avistei um buraco no chão, creio que seja a privada. Olhei nos olhos dele e perguntei porque ele não tinha me ligado e, ele respondeu cabisbaixo: " Porque era pra mim te cuidar e não o inverso. Fico com vergonha de ti.".  Segurei as lágrimas (se alguém percebeu, não gosto de chorar na frente dele) e, dei um beijo nele. Prometi que iria tirá-lo de lá. E, antes de ir embora, ouvi um lindo:  "Eu tinha certeza que tu vinha".

 Saí de lá, com a certeza de que tinha que ajudá-lo. Prestei a primeira assistência quando ele chegou no Central, e em três ou quatro dias, já tinha confeccionado a carteirinha de acesso às galerias. Nunca faltei uma visita, sempre fui todas as terças-feiras e todos os sábados. Nunca deixei de levar a sacola com os itens básicos, nunca o abandonei. Engravidei em junho de 2011 e hoje, tenho um bebê lindo e abençoado, diga-se de passagem, que é fruto do Central; hoje, meu esposo é integrante do Projeto Direito no Cárcere, está limpo das drogas há um ano e dois meses. Querem saber o que eu penso sobre isso, o que eu acho de tudo isso? Vai passar, é uma fase, é mais uma evolução na minha vida. Como diria Marisa Monte, "Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz"...

Um comentário:

Hélio disse...

...você é uma pessoa, que tem que fazer algo bem maior para esse país. Você é a força vulcânica de uma atitude. É emocionante ler tuas palavras honestas, enquanto o mundo "menor" pouco se ouve ! é necessário saber ler o amor através de lindas palavras que de "cinzas", renascem... no amor. Sou devoto de sua força.