segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Galeria D

Compartilho hoje, com vocês, um relato de como me sentia quando meu esposo encontrava-se na Galeria D do PCPA.

Terças e Sábados, os meus dias de visita. Nem preciso dizer que a primeira assistência foi uma choradeira só. (Primeira assistência, são quinze minutos que podemos conversar com o preso, em uma sala aberta, com mais pessoas e com a supervisão da Brigada Militar. Nesta mesma ocasião, podemos levar uma "sacola" contendo: pasta de dente, um rolo de papel higiênico, um sabonete, uma toalha de banho, um cobertor, 5 peças de roupa e  um colchão. Posso ter esquecido de algum item, isso é detalhe.)
Depois do primeiro impacto, primeiro abalo emocional, primeira revista corporal, tudo tornou-se frio. Aquilo que assustava quando a gente via uma imagem nos jornais ou na televisão, passou a ser a realidade que eu teria que viver, por sei lá quanto tempo.
No início, queria sempre, ser a primeira a entrar, afinal, não queria deixar meu amor esperando um abraço. Dormia na fila, chegava em frente ao presídio por volta de 23hrs e sempre tinha gente lá, as chamadas veteranas; elas, eram mulheres que estavam 'enfrentando' a fila, há mais de 3 anos. Dormiam lá, para vender lugares. Dez reais por pessoa. Cada uma delas, umas 6 ou 7 mulheres, vendiam em média 8 lugares por dia, cada uma. Ou seja, mesmo madrugando, sempre tinha, quase 50 mulheres antes de mim na fila. (Hoje são distribuídas fichas individuais com identificação, não há mais venda de lugares).
 Foto: Sidinei Brzuska - a fila em frente ao presídio.

Depois de passar frio ou calor, deitar no banco de concreto, uma noite em claro e a demora infinita, conseguia chegar até a sala de revista corporal. Uma sala com 12 cabines de concreto, abertas, uma bancada no centro, uma máquina detectora de metais e cerca de 4 soldadas da BM. Entram doze mulheres, largam seus calçados em uma bandeja que passará por uma máquina de raio-x,  tiram suas roupas e as colocam em cima da bancada central, ficam apenas com a parte de baixo de suas roupas íntimas. Depois de passar por tudo isso, se não for selecionada para a revista corporal íntima - em que ficamos totalmente despidas, somos obrigadas a ficar de cócoras três vezes, para ver se não cai nada de nossa vagina e, se não estiverem contentes com a tua atuação, ainda colocam um espelho entre as tuas pernas e tu faz a "ginástica" novamente! -, como estava dizendo, depois de tudo isso, pegamos a nossa sacola (itens de alimentação, higiene e vestuário que podemos levar ao preso), na janela do empurra- empurra.
Foto: Sidinei Brzuska - revista das sacolas, e ao fundo, a "janela do empurra-empura".

"Respira fundo!" - pensava todas as vezes que estava entrando no PCPA. Inúmeras vezes, chorei todo o percurso percorrido até chegar ao portão da Galeria D. Pensava na vida, pensava em como eu poderia ter evitado a prisão dele, em tudo o que se possa imaginar.
Madrugada, fila, revista e, quando já estava próxima, o coração batia mais forte. Estremecia, será que iria aguentar? Cada passo naquele piso crú, úmido, cada braçada naquelas paredes frias, mofadas, cada barulho ou rangido estridente daquelas grades torturadoras, me faziam pensar duas vezes antes de chegar até ele. "N.R."*, gritava o rapaz. E, tudo o que ficou para trás, se perdia, quando via aquele sorriso, na esperança de me abraçar aqui. Do lado de cá.
Nem chegava a reparar na sujeira, na estrutura corroída pelo tempo, nem o tamanho das armas que os soldados da BM utilizavam. Só tinha olhos para ele. E, toda vez que "o portão gritava" que estava na hora das visitas se despedirem, voltava o aperto no coração. Parecia uma mãe, deixando o filho na creche e saindo apreensiva para o trabalho, querendo saber a todo instante, como ele está.
Foto: Sidinei Brzuska - esta, em especial, consigo enxergar todo o vazio que se aloja no Central, mesmo com 5.000 homens presos.

*N.R. são as iniciais do nome do meu esposo.

5 comentários:

Anônimo disse...

Maria..meu total respeito pela sua vida, sua guerra, sua luta. Vc ta fazendo um favor ao pais. Relato emocionante.

Anônimo disse...

Continua com teu blog, ele vai ser um grande aliado. É admirável tua luta e abençoado teu esposo por ter alguém que lhe ame tanto. Talvez tu não tenha ideia do quanto tudo que tu escreve aqui é bom para abrir os olhos de tanta gente. Meus parabéns pela iniciativa!

Anônimo disse...

BAH SEM PALAVRAS....

Anônimo disse...

eu sei oque senti pois tanbem vivo isso na pasc.

Anônimo disse...

Olá, Esperança.
Bem, você tem mesmo muita esperança, tem evoluído todo esse tempo,observando sofrimento nas prisão, além da sua dor é claro... A forma como descreve a situações do cotidiano, as violações que temos enfrentado no sistema prisional,em razão do Estado, repassada o poder aos Militares me parece superficial. Eu sei que cada um tem um ponto de vista a cerca da sua dor. Preciso que "emirja" ou imirja na sua dor em textos. De repente consiga realmente sentir-se quem és.
Desde já, foi uma ideia e tanto.
Abraços.